terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Ternura dos 40

   A partir de uma certa idade já não interessa muito o que vai acontecer. Os sonhos são direccionados para os mais jovens, aqueles que estão a iniciar-se na arte do sonho. Que vai fazer o menino? Quer ser escritor? Vai tocar bateria numa banda? Está a pensar em fazer um curso em Inglaterra... talvez vá tirar um mestrado em filosofia do cinema.... escreve crónicas enquanto viaja... o meu filho está à espera que lhe mandem uma resposta de Chicago, pode ser que consiga entrar na escola de fotografia Lawrence Rodger... Mas quando temos quarenta, esperam que os nossos sonhos estejam bem enterrados e pedem-nos para termos juízo.


   Chegados à meia-idade temos de aguentar o nosso engano, o erro em que nos metemos. Podem dizer-nos que temos de nos conciliar com a vida, procurar um equílibrio no que fazemos, ver o sol e a praia, ler uns livros, mas o fruto apetecido, a maçã mais vermelha não é para quem cometeu um erro tão imenso quanto o nosso. Temos o direito à tristeza, ninguém o nega, mas a pouco mais do que isso. Se quisermos até podemos tomar alguns fármacos, mas temos de ter calma, já não temos vinte anos, não podemos ser ridículos, temos de crescer. Temos o direito à mudança se essa mudança não colidir com nada do que está instituído. As mudanças assim mais valera que não existissem; é uma espécie de mudar tudo para que tudo fique na mesma.


   Nada pode mudar assim! À medida que o tempo passa e nos aproximamos do fim, as medidas de mudança têm forçosamente que ser maiores, mais radicais, pois um leve desvio de rota não mudará já nada no destino final. Se queremos mudar temos de mudar de forma grandiosa, trocando o tudo por nada, ou vice-versa. O resto são paliativos, e gera-se à nossa volta uma espécie de murmúrio de vergonha. Já devíamos ter juízo, mas no entanto continuamos a sonhar, persistimos em algo que já nos mostraram que não é para nós. É um silêncio incómodo que nos vestem sobre a pele, e não raras vezes sentimos como se estivêssemos a velar um morto desconhecido. São raras as pessoas que fazem o que querem, como querem, e mais raras são aquelas que sabem o que querem fazer.


   Isto surge mais como uma queixa, bem sei, mas a verdade é que não consigo livrar-me destes pensamentos inoportunos. Quando estamos lançados num determinado tipo de vida, ainda que nos desgoste, somos impelidos a prosseguir nessa mesma vida, sorrindo e cantando mesmo que tudo pareça estar errado. Como se pode mudar quando não se sabe quem somos? E mesmo sabendo quem somos como se pode operar a mudança? Existe um certo encantamento numa vida falhada que não é fácil definir. Podia ter sido maravilhoso, podia ter acontecido assim, mas no entanto a vida, as coisas da vida não permitiram que a flor desse fruto. Refugiados procuram asilo no mundo do sonho, porque este mundo não é para eles, não se conseguem encaixar, produzir, correr e amar como seria esperado que o fizessem.

6 comentários:

Adelaide Gomes disse...

Não quero saber do que pensam e pronto! Não estou para aturar certas coisas e não aturo, dizem-me que perco oportunidades, pois deixa perder. Faço coisas que dizem ser para jovens, estouro-me e depois qual é o problema? Sei quem sou? Cada vez tenho mais a certeza que não. Sei aquilo que quero? Às vezes não tenho dúvidas e noutras sinto-me completamente perdida.
Às vezes questiono-me se pudesse voltar atrás na minha vida se iria fazer as mesmas coisas, e concluio que exceptuando algunas poeiras, poucas, faria tudo outra vez, da mesma forma. Estranho? Ou será falta de imaginação? Se calhar contento-me com pouco, ou então não estou tão mal assim.

Adelaide Gomes disse...

Eu concluo e não "concluio"... detesto estes malditos erros :)

Unknown disse...

A vida flui, qual rio. Acreditamos que podemos modificar o seu curso pelas nossas "grandes" escolhas e pelos nossos "grandes" esforços... Todavia, os grandes desvios originam-se em pequenos detalhes e momentos, aparentemente insignificantes...

Keep it up!
LMA

JonDays disse...

Luís! Acho que és um guru! Obrigado pela visita...

Unknown disse...

E agora vou dizer uma banalidade completa: a idade não está no BI mas sim na nossa cabeça e no nosso coração. O resto são balelas. Mas justificações para se gastar parte do salário em sessões inúteis de psicanálise. (E não, isto não é uma boca foleira para ninguém em particular...)

Keep posting!

Unknown disse...

Não me vejo assim caro amigo... Não sou suficientemente jovem para ter certezas eheheh!

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