sábado, 9 de janeiro de 2010

Barbearia Garret

Existe, no acto de cortar o cabelo, algo de transcendente, e se esse acto for praticado numa barbearia clássica do Porto, saímos de lá como quem acaba de presenciar uma ressureição: a nossa própria ressureição. Se for inverno frio e estiver sol lá fora, o efeito de renascimento é ainda maior. Não consigo explicar este fenómeno. O único que se assemelha em estado de espírito é a ida ao dentista, mas é nitidamente inferior a este. Aquele consolo final de ter a boca arranjada, limpa e desinfectada, parece que se espalha pelo corpo prometendo uma vida nova. No caso de optarmos por um corte rente, feito com a máquina, a alegria à saída faz lembrar a brancura dos treze anos, quando acabados de sair do confessionário corríamos para o sol da praceta, com a alma mais leve e os pecados expiados.
O Sr. Branco faz jus ao nome, com os seus cabelos ondulados penteados para trás. As conversas são feitas em forma de ladainha, e é uma alegria ouvi-lo dizer -" Então o paizinho como está?", ou então - "Deixe-me só tratar deste amigo primeiro, que é rápido, é só aparar o bigode..." e depois metendo conversa com um miúdo irrequieto que lá foi com o avô - "Oh rapaz, queres um copo de água?"
Na rádio temos os fados clássicos, o calendário religioso por cima do espelho, e uma série de objectos que já deviam estar num museu, mas que graças a Deus continuam por ali espalhados: laca, pentes, navalhas, borrifador, secador e outras bugigangas igualmente interessantes.
Só troco esta barbearia por aquelas casas modernas de centro comercial, indústrias assépticas do penteado, por haver lá meninas que nos dão massagens libidinosas involuntárias na cabeça enquanto nos lavam o cabelo, e que durante o corte, num jogo de espelhos eróticos, nos deixam espreitar os bicos das mamas leitosas pela bata branca que trazem sobre o corpo nu. É só esperar pelo ângulo certo, no momento certo, e zás. Bingo! Entretém muito.

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