terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Mar liso

Aconteceu hoje à noite quando eu andava a dar a minha volta a pé junto ao mar. Vi aquele murinho baixo que ladeia toda a praia, onde se sentam os namorados; normalmente elas de pernas abertas enganchadas sobre eles, como se o abraço fosse também dado com as pernas. Sentam-se assim cheios de amor e tesão e o mundo à volta deixa de existir. E lembrei-me de quando eu era assim. O mar parecia um lago preto onde algumas luzes pontilhavam o porto de Leixões. Às vezes havia um navio ao largo e imaginava como seria estar a bordo olhando a costa com os seus prédios e os seus carros serpenteando avenidas. Mas hoje é inverno e contudo lembrei o verão. Aqueles finais de dia, em que exausto e louco percorria a marginal de patins, assistindo ao entardecer numa mudez que quase doía. Havia aquele momento de céu rosado e violeta, prestes a explodir, e havia o meu movimento rápido sobre o chão liso; as árvores passavam como sombras, palmeiras baixas que me obrigavam a desvios rápidos no meio do ar morno do fim. O cheiro que vinha da pizzeria, doce e levemente enjoativo, depois o cheiro do mar, e de novo o cheiro do algodão doce acompanhado por balões coloridos. Nessa altura já o néon imperava e eu exibia a minha juventude no largo do Molhe, rodopiava em circunferências cada vez mais apertadas, ganhando velocidade, inclinando-me para dentro de modo a contrariar a força centrífuga. Às vezes quase raspava no chão com a perna de dentro, e tocava levemente no chão com a mão, como se fosse água.
Lembrei-me disto quando vi o mar quieto hoje. Um lago preto pacífico onde as almas poderiam adormecer. Eram noites quentes em que eu me sentava num banco de jardim, daqueles vermelhos e antigos, e ficava assim a ouvir a minha respiração e a olhar o que via à minha frente: mar, árvores, prédios, luzes, cães com donos e sem donos, gelados no chão, bicicletas e amor. Ah! mas aquele mar feito lago, esse mar nunca mais será meu!

2 comentários:

Adelaide Gomes disse...

Lindo... eu ia para a praia do aquário, antes do Homem do Leme, com o meu pai, desciamos por um caminho manhoso que nos levava a uma espécie de areal de seixos enormes e que na maré baixa permitia a passagem para uma poça gigante de águas azuis transparentes.

Unknown disse...

Genial, conseguiste transmitir em palavras pensamentos que nos percorrem quase todos os dias.Perfeito. Márinho.

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