segunda-feira, 12 de abril de 2010

Loucura

   Foi nas escadas que davam para a luz do dia que ouvi a sua voz. As pessoas seguiam como soldados sonâmbulos, em fila indiana, degrau a degrau até à liberdade das árvores verdes, plantadas mesmo à saída da paragem. Ela dizia - doutora, eu não consigo... não consigo, não tenho vontade de nada... não sei que fazer doutora, eu não quero nada... não consigo ir trabalhar, eu não tenho vontade de nada, oh doutora - e eu tive medo de olhar para trás, e continuei subindo as escadas, atrás de uma formiga cinzenta, de punho cerrado e ameaçador, que no seu andar geométrico, quase me batia no queixo. Subíamos as escadas. Pensei, deve ser uma mulher madura, na meia-idade, desesperada, ligando à sua psiquiatra, e pensei também que a sua médica devia ser uma boa pessoa, caso contrário nem atenderia a sua chamada. Já no passeio a sua voz alta fura a cidade, e por entre as formigas vai pedindo ajuda, indiferente a tudo e a todos diz - mas doutora, eu não consigo... tive aqueles sonhos estranhos de novo, doutora, tenho aqueles pensamentos horríveis... eu não quero mais isto doutora... Eu penso que a mulher se despiu com estas palavras. Estará ela nua? Estará de pijama? Não tenho coragem de olhar para trás, e vou andando como quem foge em silêncio, sem querer chamar a atenção de ninguém. Tenho medo que ela me grite - TU AÍ! TU QUE FOGES DE MIM, NÂO SERÁS TÃO LOUCO QUANTO EU?

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